Título: O futuro do sistema de saúde pública no Brasil

O Brasil preside atualmente o G20 com o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável” e tem conduzido uma série de reuniões preparatórias desde o ano passado. Estes encontros temáticos visam produzir relatórios e recomendações essenciais para as discussões da Cúpula de Líderes do G20, marcada para novembro deste ano e que reunirá as lideranças dos 19 países-membros, além da União Africana e da União Europeia, para abordar os desafios econômicos globais.

Um grupo de trabalho específico, liderado pelo Ministério da Saúde brasileiro, explorou temas críticos para o futuro da saúde. As discussões, concluídas no último dia 11 durante um encontro em Brasília, incluíram tópicos como a criação de sistemas de saúde resilientes, com foco na preparação e resposta a novas pandemias; a ampliação da saúde digital, com ênfase em telemedicina; a promoção da equidade no acesso a inovações em saúde; e os impactos das mudanças climáticas na saúde e nas condições de vida das populações.

Esses temas, além de relevantes globalmente, estão alinhados com os objetivos atuais do Governo Federal e refletem algumas recomendações de especialistas, como as presentes na Agenda Mais SUS, um projeto desenvolvido pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pela Umane, que influenciaram os debates durante o último pleito eleitoral.

Dentro da agenda prioritária do grupo de Saúde do G20, a avaliação do uso de intervenções tecnológicas como telemedicina, inteligência artificial e outras inovações é crucial para estabelecer um ecossistema regulado que potencialize a utilização de dados e informações em saúde em benefício dos cidadãos. Além de atender às exigências regulatórias, um ponto central na discussão é o apoio à construção de Infraestruturas Públicas Digitais (IPDs), destacadas como impulsionadoras do Desenvolvimento Sustentável durante a presidência do G20 pela Índia.

No cenário nacional, o Brasil tem progredido na implementação dessas infraestruturas. Um exemplo é o GovBR, a identidade digital do cidadão brasileiro que facilita o acesso a serviços integrados, incluindo plataformas do Sistema Único de Saúde (SUS), como o Meu SUS Digital. Essa aplicação foi fundamental durante a pandemia de Covid-19 e tornou-se um importante recurso para a população em termos de acesso a informações, incluindo registro e certificação de imunização.

Apesar dos avanços, há ainda um potencial pouco explorado para uma Infraestrutura Pública Digital robusta na área da saúde. Paralelamente às iniciativas do Executivo, a transformação digital do SUS tem sido uma preocupação constante entre os legisladores brasileiros. Propostas legislativas que visam garantir a construção de infraestruturas digitais no país devem considerar a importância de articular uma arquitetura tecnológica adequada com uma governança responsiva, transparente e inclusiva. Isso possibilitará a criação de um ambiente de inovação sustentável com ganhos de escala.

Em 2023, a Subcomissão da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados sobre Telemedicina, Telessaúde e Saúde Digital destacou a necessidade de aprimorar a integração dos sistemas informatizados do SUS. No final do mesmo ano, modificações significativas foram feitas no PL 5875/2013, originalmente focado no Cartão Nacional de Saúde, para apoiar legalmente iniciativas como a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), principal estratégia do Ministério da Saúde para promover a integração e a troca de informações entre os diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde no SUS e garantir a continuidade do cuidado.

O debate em torno da institucionalização da RNDS por meio de lei teve início em 2022, visando tornar obrigatória a manutenção de uma plataforma digital única no âmbito do SUS. No entanto, questões práticas sobre a implementação da RNDS ficaram em aberto, especialmente relacionadas aos desafios de governança no modelo atual da Rede.

Atualmente, o projeto segue em discussão na Câmara dos Deputados, com um texto mais amadurecido do que a proposta anterior. Uma das mudanças significativas observadas no último parecer é a criação de um capítulo específico dedicado à instituição de uma instância de governança da RNDS. Essa instância, liderada pela “Comissão Nacional de Integração da RNDS” e coordenada pelo Ministério da Saúde, contará com representantes da sociedade civil, autoridades reguladoras, órgãos de saúde, organizações do setor, conselhos profissionais, sociedades científicas e agências governamentais.

Essa evolução legislativa é essencial para a gestão apropriada dos dados de saúde no Brasil, que possui uma das maiores bases de dados de saúde do mundo. Com a consolidação da plataforma nacional de dados de saúde, é imprescindível um movimento de regulação adequado para estabelecer regras e diretrizes de padronização, uso, proteção e demais ações sobre dados de saúde, alinhado com a participação da sociedade civil para garantir a preservação de direitos fundamentais como a privacidade e a proteção de dados pessoais sensíveis.


Maria Letícia Machado – Cientista política formada pela Universidade Federal de Pernambuco, com especialização em Liderança e Gestão Pública pelo Centro de Liderança Pública. Atualmente, atua como Gerente de Políticas Públicas no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), com foco especial na área de tecnologia e inovação em saúde.

Sara Ellen Tavares – Cientista política pela Universidade de Brasília e pós-graduanda em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo. Exerce a função de analista de Políticas Públicas e Relações Institucionais no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), com foco na temática de tecnologia e inovação para a saúde.